Borges Barreto e os Gentleman Drivers

A interessantíssima visão de "Luis" sobre a meteórica carreira automobilística de António Borges Barreto e a sua relação com alguns ilustres cavalheiros da época.

Fotografia - Colecção Duarte Pinto Coelho



O "Toquim" Barreto era um piloto que melhorava a sua perfomance a cada prova. Sendo um piloto prudente, tinha ainda tempo para aprender , mas quis o destino vir a ser cruel para com ele.
Reconhecendo as suas capacidades de condutor , o Marquês de Fronteira, D. Fernando Mascarenhas, resolveu dar-lhe apoio na realização dos seus sonhos, daí a cedência da 250MM e da 750 Monza com preços e condições muito especiais. Mas o desaparecimento do Marquês de Fronteira no estúpido acidente com a Superamérica, veio pôr termo a este apoio.
Outro "gentleman driver", João de Castro, resolveu então ajudar o "Toquim". Foram feitos contactos com a Ferrari e assinado um acordo do tipo do que tinha sido feito em 53 com Casimiro de Oliveira, no qualBarreto  seria piloto  da marca numa base logística de "semi-works drive".
Quanto ao acidente em Forez, sabe-se que as  rectas maiores do percurso tinham como separador central… pequenos arbustos. Estava chuva e Piero Carini perdeu sem motivo aparente o controle do carro, galgou o separador e foi colidir de frente com a 500TRC de Borges Barreto, que foi projectado para uma ravina com 10 metros de altura. Ambos os pilotos tiveram morte imediata. 
No funeral de "Toquim", além da coroa de flores enviada pela Ferrari, uma outra veio da parte da família Carini. Passado um tempo, aquando do GP de Portugal, o Manager da Ferrari, Dragoni, apresentou a conta do fornecimento da 500 TRC a João de Castro , o qual passou de imediato o cheque respectivo .
A seguir ao acidente de "Toquim", João de Castro retirou-se das provas de velocidade. Perder dois amigos em tão curto espaço de tempo era demais. Era a época dos "gentleman drivers" . 

"Luis" 

O Único Português no Álbum da Ferrari

Artigo de Rui Miguel Tovar no "I"online de 30 de Dezembro de 2010
Fotografia - colecção Duarte Pinto Coelho



Nicha Cabral (cinco corridas entre 1959 e 1964), Pedro Matos Chaves (13 em 1991), Pedro Lamy (32 entre 1993 e 96) e Tiago Monteiro (37 entre 2005 e 2006) foram os quatro pilotos portugueses que andaram no circo da Fórmula 1 e são nomes incontornáveis do automobilismo português pela incrível façanha de terem chegado ao topo. A história que aqui vamos contar de um outro inesquecível piloto nacional é trágica e nunca passou pela F1. 
Esquecido por alguns e desconhecido para muitos, António Joaquim Borges Barreto, abreviado para Toquim, foi o primeiro e único piloto português na Ferrari. Este dado, por si só, já garante uma página. Mas afinal porque é que a escuderia mais famosa da história contratou um português de 24 anos? Bem, é por isso que vamos escrever uma página sobre o homem e o piloto que passou ao lado de uma carreira gloriosa.
Nascido em Évora, Toquim deu-se a conhecer nas pistas aos 23 anos, em 1954, numa altura em que a média de idade dos pilotos da Fórmula 1 (só para dar um exemplo) era de 42 anos. Ao volante de um Porsche 356, Toquim apresentou-se na VI Volta a Portugal, organizada pelo desaparecido Clube 100 à Hora. Para surpresa de muitos, incluindo do próprio, saiu-se vencedor de uma prova que contava com nomes sonantes do automobilismo português. A sua humildade é sincera e, ao mesmo tempo, graciosa: "Sou estreante. Nunca entrei em provas, se bem que conduzo há bastante tempo. Sinceramente lhe digo: quis avaliar o prazer destas andanças. Não sabia nada disto e não queria deixar de experimentar as sensações que outros volantes têm tido. Agora não desisto mais."
Para a frente é que é Lisboa. Ou Porto. Ou Guimarães. Com Toquim ao volante, as surpresas nunca mais acabavam. Foi sétimo classificado no GP Portugal, no Circuito da Boavista, no Porto, décimo no GP Lisboa, segundo na Rampa da Penha (Guimarães) e primeiro num Quilómetro de Arranque. A experiência nestas provas dão-lhe a projecção necessária para outros voos e Toquim aventura-se na compra de um Ferrari 2M (Spider Vignale), que pertencia a D. Fernando de Mascarenhas, prestigiado piloto português. É essa compra, feita no final do ano de 1955, que lhe permite dar o salto.
Em 1956, o Ferrari e Toquim fundem-se num só. Ao quarto lugar no GP Porto segue-se a primeira internacionalização, nas 10 horas de Messina (Itália). Acaba em terceiro, e ainda levanta a Taça dos Novos. Esse lugar no pódio aliado ao título numa corrida paralela confere-lhe maturidade ao volante e confirmam-se as negociações com a Ferrari. Em conversa informal com o jornal "O Volante", Toquim anunciava um contrato profissional, já com testes marcados com a Ferrari, no dia 15 de Setembro, em Saint Étienne. 
"Vou para Itália, onde me demorarei poucos dias, apenas o tempo necessário para alguns treinos na Ferrari. Depois sigo para França onde disputarei uma prova de circuito em Saint Étienne à qual devem correr todos os bons e em que eu correrei oficialmente pela Ferrari." O entrevistador está embasbacado. Ferrari? "Sim senhor, pela Ferrari. Em Messina, já corri pela Ferrari mas agora é verdadeiramente oficial a minha presença na equipa." E a ideia é tornar-se profissional? "É essa a minha intenção. Tenho 25 anos e reconheço que posso fazer qualquer coisa interessante. Lá fora escasseiam os corredores novos: julgo que a ocasião é de aproveitar..." [nesse ano de 1956, Fangio é campeão mundial de pilotos com 45 anos de idade, enquanto a Ferrari ganha o Mundial de construtores]
É nesse momento que o destino prega uma das partidas mais cruéis, com a morte de Toquim nas 6 horas de Forez, na estreia oficial pela Ferrari. O italiano Piero Carini, que seguia em terceiro lugar, perdeu o controlo do seu Ferrari Testarossa a mais de 200 km/h e foi bater na traseira do português, projectando os dois veículos contra um muro, onde ambos morreriam naquele instante. Portugal ficou paralisado, Évora nem se fala. Toquim era já um símbolo naquela cidade. A sua urna foi levada em ombros da igreja na praça do Giraldo até ao cemitério. Em cima dela, duas coroas de flores: uma enviada por Enzo Ferrari, como sinal de luto pelo recém-contratado piloto; outra da família de Piero Carini, o outro acidentado no fatídico dia.
Toquim pode nunca ter chegado à Fórmula 1 mas tem o seu nome no livro de pilotos da Ferrari, onde se lê: "Com coragem e paixão, faleceu com apenas 26 anos."

12 Horas de Anfa (Casablanca)

Em 1953 disputaram-se as  12 Horas de Anfa, Casablanca, prova em que participaramm cinco pilotos portugueses. Filipe Nogueira e Ernesto Martorell inscreveram um Denzel, Casimiro de Oliveira partilhou um Ferrari 375 MM com Alberto Ascari e José Emídio da Silva juntou-se a Corte Real Pereira para tripularem o PE (Produtos Estrela) que se vê na imagem com o nº 33. Tratava-se de um carro de fabrico artesanal produzido nas instalações da Fábrica de Produtos Estrela, no Porto, sob a supervisão de Adérito Parente, seu proprietário. A mecânica provinha de um DB Panhard, que cedeu o motor 2 cilindros e 750cc bem como mais alguns componentes.
O PE terminou as "12 Horas" em 14º lugar da classificação geral e 4º classificado da categoria 750cc. Ernesto Martorell / Filipe Nogueira abandonaram com problemas de caixa de velocidades e Casimiro de Oliveira / Ascari nem sequer alinharam à partida devido a um acidente sofrido nos treinos.

Bibliografia - World Sports Racing Prototypes
Fotografia - APF


Acidente na Boavista

Acidente com o Lotus Climax de Jim Clark ocorrido no final dos treinos para o Grande Prémio de Portugal de 1960, disputado no Circuito da Boavista. Apesar dos estragos e do ar desolado do piloto, o futuro campeão do mundo viria a consquistar na corrida o seu primeiro pódio na Fórmula 1, obtendo um brilhante terceiro lugar ao volante de um carro parcialmente reconstruído durante a noite anterior.
Colin Chapman, à direita, foi um dos primeiros a chegar ao local do acidente e, como se constata,  colaborou activamente na recuperação do seu Lotus.
A cena passa-se em frente ao Café Bela Cruz, um dos locais emblemáticos da vida social do Porto na década de 60.

Fotografia - The Cahier Archives


Vida Nova

Em 9 de junho de 1957 D. António Guedes de Herédia inscreveu o seu pequeno Denzel (#DK36) na corrida designada por Taça Cidade de Lisboa, na categoria GT 1.3, prova que foi presenciada por cerca de 50 mil pessoas. O carro com o nº 3 não teve um fim de semana muito feliz e acabou por abandonar a corrida ao fim de apenas 8 voltas, depois de ter partido da 19ª e última posição da grelha.
Passados 55 anos, este mesmo Denzel reaparece agora em todo o seu esplendor, depois de ter passado por um profundo processo de recuperação que lhe permitirá enfrentar novos e estimulantes desafios num futuro que se deseja longo e cheio de sucessos.








O Abraço

D. Fernando Mascarenhas e José Nogueira Pinto desejam-se mutuamente boa sorte pouco antes da partida para o Circuito Internacional do Porto - II Grande Prémio de Portugal, disputado a 22 de Junho  de 1952. O Ferrari 225S (0200ED) de Mascarenhas viria a abandonar, enquanto que Nogueira Pinto levou o Ferrari 340 America (0082A) até à quarta posição na linha de chegada, a três voltas do vencedor, Eugenio Castelotti, que tripulava um Ferrari 225S Barchetta Touring (0166ED)
Notem-se, uma vez mais, os "apêndices" aerodinâmicos instalados na grelha do Ferrari nº 21 por Manuel Palma.
O Lancia Aurelia com o nº 11, ao fundo, era tripulado por Enrico Anselmi.

Bibliografia - World Sports Racing Prototypes


Festa em Vila Real

Se existe característica desde sempre associada ao circuito de Vila Real, terá de ser o enorme entusiasmo que as "corridas" sempre despertaram, não só na capital de Trás-os-Montes mas também em todo o norte do país. Milhares e milhares de pessoas ocupavam todos os lugares disponíveis ao longo do traçado, que tinha cerca de 7 km de extensão, emprestando uma moldura humana digna dos maiores eventos do género em qualquer parte do mundo. O ambiente era fantástico e assim continuou durante décadas, para grande satisfação dos pilotos que ali correram e de um público apaixonado que transformou Vila Real  num verdadeiro local de culto no panorama do desporto automóvel em Portugal.
Só faltou a Fórmula 1. Mas será que fez mesmo falta?
As imagens são relativas ao IX Circuito de Vila Real, disputado em 25 de Junho de 1950. Em cima, pouco após a partida é o Ferrari 166 Touring Barchetta de Vasco Sameiro (nº10) que lidera, seguido pelo Ferrari 166 Inter Allemano Coupé (nº4) de Giovanni Braco. Na imagem de baixo pode ver-se o Allard J2 de Casimiro de Oliveira a passar numa zona urbana recheada de portas e varandas a "abarrotar" de gente.
Já não se fazem corridas assim.

Bibliografia - Circuito de Vila Real 1931 / 1973, de Carlos Guerra
Fotografias - Centro de Documentação do ACP



Jean Gras

Esta imagem, obtida em frente ao Hotel do Parque (ou das Termas, como também era conhecido) do Estoril, documenta a participação de Mateus Oliveira Monteiro no desfile de automóveis realizado em 1927. O carro utilizado para a ocasião era um "Jean Gras", de fabrico francês, uma marca que teve uma existência precária (1924 / 1927) e da qual não se conhecem resultados desportivos de relevo.

Fotografia - Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian, estúdios Mário Novais.


VII Grande Prémio de Portugal

A 24 de Agosto de 1958 disputa-se no Circuito da Boavista o VII Grande Prémio de Portugal, que teria em Stirling Moss um justo vencedor, ao volante de um Vanwall 57. Mike Hawthorn, que se vê na fotografia vestido de boné, gabardine e … laço, seria o segundo classificado, em Ferrari D246. Ao fundo, na fotografia, pode ver-se o BRM P25 de Harry Schell, com o número 10.
O programa do Grande Prémio incluía uma corrida para carros de Fórmula Junior, que seria ganha por "Mané" Nogueira Pinto (na foto de baixo) ao volante de um Stanguellini.

Bibliografia - Sportscar Portugal / www.grandprix.com
Fotografias - The Cahier Archive / Ernesto Neves


Ferraris em Monsanto

Os Ferrari 250MM de Nogueira Pinto (nº20) e D. Fernando Mascarenhas (nº19) em plena prova no panorâmico Circuito de Monsanto, durante a disputa do Grande Prémio do Jubileu do Automóvel Clube de Portugal de 1953. Nogueira Pinto terminaria a corrida num brilhante 3º lugar, cotando-se como o melhor português na corrida, enquanto que D. Fernando Mascarenhas viria a abandonar à 38ª volta, vítima de um "espectaculoso" acidente, como conta o cronista da revista do ACP:
"… o carro, embatendo violentamente no muro (do quintal da moradia 243, rua 29, do bairro da Ajuda), abriu um buraco com mais de três metros de diâmetro,  tal a força do choque, e ficou com a parte da frente dentro do quintal, embora a velocidade tenha sido amortecida pelos arbustos que separam as moradias da estrada. Conduzido numa ambulância da Cruz Vermelha ao Hospital da CUF, o sr D. Fernando Mascarenhas ali foi assistido pelos drs Melo e Castro, Pita Negrão e Botelheiro, verificando-se que apenas sofrera uma incisão na face, junto ao maxilar". Bons tempos em que até os médicos eram notícia.
O "jovem campeão inglês" Stirling Moss terminou em segundo lugar, atrás de Felice Bonetto. Disse aos jornalistas que o peso do Jaguar XK120 o impediu de fazer melhor. Dá para imaginar.

Bibliografia - Revista do ACP, ano XXIII, nºs 7 e 8



Acidente de D. Fernando de Mascarenhas – Monsanto 1953 -250MM Spider Vignale #0326MM – Depois da excelente estreia do 250MM no Circuito da Boavista no III Grande Prémio de Portugal, disputado a 21/6/1953, onde alcançou o quarto lugar da classificação (isto apesar de um susto grande quando se rebentou um pneu a cerca de 200 quilómetros por hora…) D. Fernando de Mascarenhas não foi tão feliz a “jogar em casa” no Grande Prémio do Jubileu do Automóvel Clube de Portugal, que se realizou em Monsanto a 26/7/1953. Apesar de residir a pouca distância do circuito, já que o Palácio dos Marqueses de Fronteira fica num dos acessos a Monsanto, o piloto apenas obteve o nono lugar nos treinos. Para agravar a sua situação sofreu um ligeiro despiste que o atrasou logo no início da prova. Recuperando posições graças ao seu virtuosismo é à 41ª volta que tem um violento acidente, quando já rodava no sexto lugar. Rezam as crónicas da época que entrou demasiado rápido na Curva do Caramão da Ajuda, talvez por uma blocagem dos travões da frente, e a partir daí bate no lancil, leva alguns fardos de palha que serviam como protecção à frente. Para evitar colidir com o público gira o volante para a direita, guinando para a Rua dos Marcos (já fora do traçado) e embate ainda com alguma violência contra o muro da Escola aí existente. Contam ainda os testemunhos da época que D. Fernando de Mascarenhas, apercebendo-se de que iria embater no muro se terá atirado do carro uma fracção de segundo antes. O “rombo” no muro da Escola foi apreciável (cerca de seis metros quadrados) e o piloto acabou apenas com uma mazela no maxilar inferior e uma perna inchada. Ainda segundo os relatos da época, que demonstram a tenacidade do Marquês de Fronteira, terá saído do acidente não só bastante satisfeito por não ter atingido nenhum espectador como ainda dizendo “Estou bem, isto não foi nada”. Só a insistência dos responsáveis pela prova o levou a passar pelo Hospital!

José Francisco Correia